Guille Vidal: “Os topônimos galegos continuam a ser castelhanizados em muitos lugares ou contextos”

As atividades pós-greve do Programa de Estudos Galegos foram retomadas em Setembro de 2016 e foram (re)abertas com a palestra “Breve aproximação à antroponímia galega: século XVIII e atualidade”, ministrada pelo doutorando em Linguística pela Universidade de Santiago de Compostela, Guillermo Vidal. Guillermo tem graduação em Letras Galego também pela Universidade de Santiago de Compostela, possui mestrado em Professorado e Educação pela Universidade da Coruña, além atuou como professor nos Cursos de Verão de Língua e Literatura Galegas para estrangeiros no ano de 2015.

1) Como foi a sua experiência na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde você deu a sua palestra, e na sua viagem ao Brasil?

Foi uma experiência muito bonita, gostei muito de fazer parte das atividades do PROEG e do recebimento das professoras; além disso, o público não era muito numeroso mas fiquei muito contente de seu interesse pela onomástica galega. E se a palestra foi linda, a viagem podem imaginar que também!

2) Você tem família brasileira, assim tinha já contato com a variedade linguística que falamos no Brasil, mas, como é falar em galego com normalidade no âmbito internacional?

Bom, encarei a viagem como uma oportunidade para falar e escrever na variedade brasileira. E além disso, achei que, infelizmente, o galego da Galiza não é muito conhecido nem entendido no Brasil, coisa que não acontece na Galiza, onde a maior parte dos galego-falantes entendem a variedade brasileira. Seria lindo ver algum dia o galego da Galiza sendo compreendido no Brasil, mas isso acho que também dependerá muito de uma educação linguística mais adequada e menos sujeita à hegemonia da norma padrão portuguesa e sua visão histórica da língua. O fato de muitas pessoas não conhecerem a Galiza nem sua língua quando se faz referência à Espanha é um síntoma muito significativo de essa educação, sob o meu ponto de vista, parcial. Mas, por sorte, o alunado da UERJ sim entendia galego e foi um prazer falar ele com naturalidade em uma universidade do Brasil.

3) Qual é a relevância de uma pesquisa na área de onomástica para a situação atual da língua galega?

Em termos sociolinguísticos, se é conhecido o fato de a língua no seu conjunto não ter ganhado ainda a ‘normalização’ e o prestígio necessário para se desenvolver como uma língua normal, não doente, na área específica da onomástica a situação não é diferente. O presidente do governo espanhol tem sobrenome galego castelhanizado, o presidente da Galiza também, e os topônimos galegos continuam a ser castelhanizados em muitos lugares ou contextos; por exemplo, na Wikipédia em espanhol. Até a Academia da língua espanhola recomenda o uso de essas formas. São só alguns exemplos. Gosto de pensar que pesquisar a onomástica galega desde o ponto de vista histórico ajude, embora seja minimamente, a essa panorámica atual ir mudando, a não ficarmos com vergonha de restaurar a forma galega de nosso sobrenome, ou a não permitirmos que chamem O Valadouro de “Valle de Oro” (por exemplo), do mesmo jeito que eles não chamam a cidade carioca de “Río de Enero”.

4) Podemos traçar algum paralelo entre a política envolvendo a língua galega e os resultados encontrados na comparação entre o século XVIII e a atualidade da antroponímia galega?

Acho que sim. No século XVIII a Galiza e sua língua ficavam ativamente marginadas pela Coroa de Castela pelo processo de criação do estado-nação espanhol. Esse processo nacionalista envolvia reprimir todas as línguas que não eram faladas no centro da península. Por isso os antropônimos no s. XVIII aparecem castelhanizados, porque não era “formal” escrever o nome das pessoas em galego em um documento oficial. Hoje em dia o galego segue sofrendo um problema de prestígio e normalidade, a meu modo de ver, pelas políticas que envolvem a língua, as do estado espanhol mas também as do governo galego. E isso tem consequências também na atroponímia. Se uma língua não tem prestígio as pessoas não põem a seus filhos nomes em essa língua, nem recuperam seus sobrenomes castelhanizados para ela.

5) Existe alguma conexão entre os sobrenomes estudados nos seus trabalhos e os sobrenomes brasileiros? Qual?

Em verdade, a conexão existe mas não é muito grande. A área que eu estudo é pequena e rural. Muitos sobrenomes procedem de topônimos locais que não tem no Brasil ou em Portugal e possivelmente alguns chegaram no Brasil através de emigrados, mas por enquanto eu não conheci nenhum, e em verdade tampouco pesquisei isso em profundidade além do tempo que esteve aí. Mas sim tem muito paralelo com os sobrenomes patronímicos, como também tem com o espanhol. Os nossos Pérez, Fernández, Rodríguez têm seus equivalentes no Brasil: Pires, Fernandes, Rodrigues…

6) Saindo um pouco da antroponímia e entrando em outra subdivisão da onomástica… Conhece-se a polêmica instaurada na área de topónimos na Galícia os quais são frequentemente castelhanizados. O que essa castelhanização representa para a cultura galega? E o que a Lei para a salvaguarda do Patrimonio Cultural Inmaterial tem feito nessas situações?

Em minha opinião, e prefiro ser honesto, isso representa uma agressão contra nossa cultura só própria de nações colonizadas. Como diz anteriormente, as elites que impulsam o modelo de língua ou a Academia espanhola não vão no Rio de Janeiro e o traduzem por “Río de Enero” (nem sequer por “Río de Janero”), ou também não vão no Mont Blanc da França e o traduzem por “Monte Blanco”. Quando, por enquanto, elas traduzem por exemplo Viveiro por “Vivero”, só é possível deduzir que o galego não é respeitado como qualquer outra língua alheia a seus limites administrativos. Quanto à lei, acho que é de muito recente aprovação e ainda não pude comprovar se tem reagido em situações assim. Mas sou escéptico com ela, não nego que pode ser uma ajuda e servir como proteção em algumas coisas, mas já houve outras leis com intenções lindas com a língua que à hora da verdade demonstraram não se cumprir ou não funcionar quando se procuram mecanismos para fugir de seu espaço de atuação.

7) Na sua experiência como professor de práticas no Curso de Verão de Língua e Literatura Galegas para estrangeiros, o que esse curso representa para os galegos e galegas e a situação da língua?

Infelizmente, acho que ele não é muito conhecido na Galiza, só em alguns espaços. Mas para quem é conhecido e para quem fica conhecendo através dos noticiários ou dos próprios estudantes acho que representa um pulo importante de dignidade e de autoestima muito necessário para melhorar o prestígio da língua e sua situação sociolinguística. As pessoas ficam perguntando para o alunado por que que eles e elas, sendo estrangeiros, estudam galego. Diante de essa situação, olhem que necessário são iniciativas como essa.

8) Com respeito à situação da língua na Galícia, qual é a avaliação que poderia fazer da sua vitalidade atual?

Negativa. Os dados recentes indicam que o galego já não é a língua maioritária da população galega por primeira vez na sua história. O galego só é falado por uma porcentagem muito pequena e preocupante das crianças na atualidade. Lembro, quando eu era criança, que na minha cidadezinha apenas tinha crianças que falassem em espanhol como língua nativa. Agora, olho as crianças e são minoria as que falam em galego. Outro dado muito significativo é que nos últimos anos o número de publicações em galego só desceu.

9) Que acha que tem errado na política linguística galega e que políticas e discursos acredita que são necessários para normalizar a língua?

Principalmente, o decreto atual que regula a formação da primária e da secundária e que, por exemplo, interdita a instrução de ciências empíricas (as mais prestigiadas socialmente) em galego em alguns anos. Para a normalização plena e real, e embora semelhar radical, acho que só tem uma solução, e é a mesma que precisa qualquer colectivo ou bem desfavorecido ou marginado do mundo: uma política (linguística) que vire 180º a situação atual e favoreça a língua minorizada por cima da prestigiada e normalizada. Em contra do que muitos acreditam, mesmo se o espanhol desaparecesse completamente da formação (e nenhum profissional da sociolinguística galega pede isso) ele não correria perigo nenhum nem desapareceria da Galiza.

Agora brevemente…

O melhor e o pior do Rio e do Brasil

Do Rio: o melhor, as ruas arvoradas e os postinhos de venda de frutas tropicais; o pior, as favelas e o trânsito dôido!

Do Brasil: o melhor, as pessoas e as serras; o pior, o golpe de estado… e a cerveja!

Um lugar no Rio de Janeiro

Largo de Machado

Uma palavra do galego e uma do galego brasileiro

Do galego: garabullo (com gheada)

Do galego brasileiro: bagunça.

Um desejo para o futuro

Viver por um tempo no Brasil

 

 

 

 

 

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