Mariana de Azevedo
Aluna de Introdução à Cultura Galega na UERJ
Curros Enríquez nasceu no ano de 1851 e faleceu em 1908, ajudou o pai na profissão de escrevente e estudou direito. Junto com Rosalía de Castro e Eduardo Pondal passa a ser uma grande referência do movimento denominado de rexurgimento da literatura galega do século XIX. A sua obra Aires da miña terra o consagrou como um grande poeta civil, pois fez denúncias sociais a favor da classe mais desfavorecida e exaltou os valores e as tradições da cultura galega.
Curiosidade: Por conta de uns dos textos desse livro, do qual obteve um prémio poético em Ourense, o bispo de Ourense condenou o livro de Curros por conter proposições heréticas e blasfemas. Curros foi processado por delito contra o livre exercício dos cultos, foi condenado em Ourense, mas absolvido na Corunha. Por conta desse episódio teve que viver alguns anos longe de sua terra.
Além de poesias, C. Enríquez trabalhou durante grande parte de sua vida com o jornalismo em jornais de destaque mundial como “El País” e “Gaceta de Madrid”, por exemplo. Sua formação foi fundamental para, em colaboração com outros intelectuais galegos, promover a constituição da atual Real Academia Galega através da “Associação iniciadora e Protetora da Academia Galega”, da que foi eleito presidente-fundador.
Em sua obra encontramos principalmente três tipos de poesia:
1) Costumbrista: Composições de caráter popular;
2) Intimista: O autor não era muito a favor de poesias desse tipo, porém, em determinados momentos que ele expressa suas reações e sentimentos pessoais, como em composições de temas familiares, como por exemplo, o nascimento ou a morte do filho esse tipo de poesia ganha destaque.
3) Cívica: Divide-se em duas partes
a) Aquela em que o autor expõe abertamente seu pensamento e ideologias. Podemos encontrar um Curros defensor do progresso e liberdade.
b) Poesia agrária, pois o poeta observa as dificuldades dos camponeses e as injustiças para com esse povo.
De acordo com isso podemos fazer a comparação da obra literária de Curros e seus três tipos de poesia com as três fases do romantismo brasileiro. O romantismo foi um movimento literário que ocorreu de acordo com um contexto social e baseado em uma estética literária antecedente. O movimento teve características gerais, como o repúdio a determinados aspectos da era clássica, o culto ao amor sem racionalidade, o subjetivismo e o individualismo. E teve também características específicas que nos permite dividi-lo em três grupos: primeira, segunda e terceira geração românticas.
O contexto histórico e social em que se encontravam os românticos, principalmente os da primeira geração, era de recente independência do país. Assim, um verdadeiro sentimento nacionalista veio a surgir, por conta dos artistas que procuraram valorizar suas características naturais e nacionais exaltando a natureza. Esse movimento é fruto de um verdadeiro descontentamento por conta da evidente desigualdade social, gerando um inconformismo
Dito isto, podemos, primeiramente, comparar as características gerais da poesia de Curros Enríquez com o romantismo brasileiro. A luta de Curros pelos direitos do povo galego o faz escrever como os autores do Brasil que tentam firmar sua nacionalidade na prática, pois só a tinham de forma teórica. Ambos realçam as características naturais e exaltam de forma enfática a natureza, atributo comum aos dois lugares. Curros utiliza também, em muitos de seus versos, a subjetividade e demonstra insatisfação com a questão da nacionalidade galega, outros recursos que se assemelham a geração romântica brasileira.
Analisando especificadamente as fases desses dois movimentos literários, pode-se comparar o primeiro tipo de poesia de Curros Enríquez, que compõe para o popular, com a primeira geração do romantismo. O primeiro fala do povo galego e de situações de lutas diárias. A segunda prega um culto à cultura primitiva, que seria a “verdadeira” cultura do país exaltando, por exemplo, o índio e colocando-o como herói.
Escribir nada mais para unha província
Ou, com’os povos árcades fixeram;
Escribir sobre a casca d’os curtizos,
Cáxeque todo ven á ser o mesmo. (…)
As xentes tristes que n-o verbo humano
peneuran os ideales qu’entreveron,
cuando ô vate interrogan, novo Oráculo,
queren revelaciós, que no misterios.
(…)
Aires da miña terra. Curros Enríquez
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
(…)
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(…)
Canção do exílio. Gonçalves Dias
As segundas partes dos respectivos movimentos podem ser caracterizadas por melancolia. Em Curros há poucas expressões desse tipo, na segunda geração romântica, porém, o repertório é um dos mais vastos. O tema ‘amor’ é o principal nesse grupo, tanto para o autor galego quanto para os brasileiros, em decorrência desse grande sentimento, a morte também é figura presente. No caso de Curros, ele utiliza, em sua maioria, temas familiares como a morte do filho e da mãe e também das suas lutas e comoções para escrever. No caso dos poetas brasileiros, conhecidos nessa fase como “ultrarromânticos”, a morte é consequência de dores, principalmente a causada por amar demais.
Na morte da miña Nai
Dulce melancolia, miña musa,
Do meu espiritu novia feiticera,
¡déixame que hoxe no teu colo durma
sono de pedra!
Nunca, reiciña, nunca como agora
falla fixéronme os teus bicos mornos:
choveu por min chuvia de sangue e traio
frío nos ósos.
Quéntame ti, que tiritando veño,
ti, que do peito curas as feridas,
¡amiga xenerosa dos que sofren,
melancolía!
(…)
Curros Enríquez
Lembranças de Morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
…Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
(…) Álvares de Azevedo
De acordo com isso pode-se passar ao terceiro tipo de poesia de Enríquez e à terceira geração romântica. Essa é uma fase voltada ao social e ao ideário de liberdade em relação às mazelas da sociedade e ao pensamento individual. No Brasil, os poetas mostram indignação, sobretudo com a escravidão, para o galego, o descontentamento é com as desigualdades que sofre o povo do campo. Ambos os poetas pregam a liberdade e se expressam livremente. Curros expõe abertamente seus ideários e os poetas brasileiros buscam o pensamento individualista.
O maio
(…)
Para min non hai maio,
¡pra min sempre é inverno!…
pide un maio
sen bruxas nin demos;
un maio sen segas,
usuras nin preitos,
sen quintas, nin portas,
nin foros, nin cregos. (…)
Curros Enríquez
Navio Negreiro
(…)
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder…
Hoje… cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute… Irrisão!…
Castro Alves
A semelhança entre as partes existe, porém o contexto social e a realidade de cada autor é relevante no sentido de que são bastante distintas e que Curros Enríquez estava sendo processado e procurado por conta de sua obra, Aires da miña terra, enquanto os poetas brasileiros tinham conquistado sua “liberdade”, desde que fossem homens brancos (já que os negros eram, ainda, escravos). Dessa forma, percebe-se que os motivos que cada poeta teve para escrever, em geral, pode ter sido um descontentamento social, porém, cada um viveu e fala sobre detalhes que se diferem. Entre semelhanças e diferenças, é inegável, entretanto, a qualidade dos versos de cada poema e como através da escrita pode-se comparar a luta pela nacionalidade, pelo sentimento, pela individualidade, entre outras coisas, que esses poetas de diferentes lugares questionam e reivindicam. Assim, a obra galega de Curros Enríquez pode servir de inspiração para as lutas sociais diárias dos poetas brasileiros e vice-versa.
BIBLIOGRAFIA
http://www.currosenriquez.es/es/o-poeta/curros-enriquez.html
http://www.cultureduca.com/blog/literatura-gallega-manuel-curros-enriquez-3/
https://archive.org/details/airesdamiaterr00curruoft
http://galegos.galiciadigital.com/es/manuel-curros-enriquez
http://www.alunosonline.com.br/portugues/as-tres-fases-romantismo-brasileiro.html
http://www.portugues.com.br/literatura/astresfasesromantismo.html